sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Guerrilheiras das FARC


por Miguel Urbano Rodrigues.
Fala-se e escreve-se muito dos guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia -- quase sempre para os caluniar -- e pouco das guerrilheiras. A maioria dos europeus ignora que milhares de mulheres combatem nas 60 Frentes em que as FARC lutam naquele país.

Conheci muitas em 2001, nas semanas vividas num acampamento amazónico da organização revolucionaria.

Como transmitir no breve espaço de uma crónica, o que em mim ficou do contacto com essas guerreiras de novo tipo?

Encontrei ali moças tão diferentes que seria redutor o esforço para esboçar o choque emocional provocado pelo descobrimento das combatentes das FARC. De comum entre elas apenas a coragem, a capacidade de adaptação a condições de vida duríssimas e uma confiança total na justiça da luta das FARC e na vitoria final, sem data.

No meu acampamento somente uma não tinha companheiro. Apenas Eliana ultrapassara os 40. A maioria não atingira os 25 anos. A ética da guerrilha impunha normas que eram respeitadas. Se dois namorados pretendiam estabelecer uma relação amorosa informavam o comandante. A infidelidade não era tolerada pelo código da guerrilha. A pareja era autorizada a dormir na mesma caleta, o estrado-cama que, sob um toldo de plástico, na grande floresta, fazia as vezes de casa. O regulamento proibia também que os guerrilheiros, homens ou mulheres, mantivessem relações sexuais com hospedes das FARC.

Mas não havia moralismo. Se um casal decidia pôr termo à relação comunicava essa decisão ao comandante. O gesto consumava a separação.

As mulheres realizavam os mesmos trabalhos que os homens, desde o treino militar à abertura das latrinas. Iguais direitos, tarefas idênticas.

O quotidiano dos acampamentos não permitia a privacidade a que hoje estamos acostumados na vida quotidiana. Na selva, infestada por transmissores de doenças perigosas, o banho diário é imprescindível à defesa da saúde. As mulheres banhavam-se no rio ao lado dos homens numa atmosfera de camaradagem e respeito que me impressionou. Elas de calcinhas, eles de cuecas. As normas do pudor, tal como as conhecemos, não podiam funcionar ali. Mas nunca, nem nos olhares nem nas palavras testemunhei atitudes da qual transparecesse um comportamento machista.

Elas, tal como eles, tinham diferentes origens sociais. Algumas tinham vindo de grandes cidades, outras dos llanos ou dos vales quentes, outras ainda das terras frias da Cordilheira. A origem social transparecia mais no diálogo do que no comportamento, porque raparigas de famílias camponesas haviam adquirido uma sólida formação ideológica.

Para surpresa minha quase todas eram bonitas.

Na Aula – o lugar onde à noite o colectivo da guerrilha se reunia para assistir a palestras e debater o tema com o «professor» convidado – tive a oportunidade de falar mais demoradamente com algumas que mal conhecia, como a Adriana e a Jenny.

O meu trabalho exigiu contactos muito frequentes com quatro: a Gloria, a Eliana, a Yurleni e a Isabel.

Glória era a secretária sem titulo do comandante Raul Reyes. De origem pequeno burguesa, adquirira uma formação marxista ampla, pouco comum. Era a responsável pelos computadores e pelas transmissões por radio, serviços instalados num «escritório» que se diferenciava das caletas apenas pela sua maior dimensão. Enviava mensagens codificadas e decifrava as recebidas. A sua intimidade com o mundo da informática fazia de mim um aprendiz bisonho.

Era muito bonita e nem o uniforme lhe afectava a feminilidade. Foi durante as lentas viagens para El Caguan, através de uma estrada imprevisível que rompia as matas da região- ela guiava carros pesados como uma profissional- que do seu passado soube aquilo que me contou. O suficiente para eu entrever nela uma personagem de novela que irradiava uma intensa alegria de viver.

Em Eliana encontrei uma revolucionaria de outro tipo. Responsável pela intendência, ocupava-se com zelo de tudo o que se relacionava com o abastecimento do acampamento. A sua beleza não era física. De meia idade, entroncada, brusca nos movimentos, alcançara o grau de subcomandante e o seu currículo de combatente dissipava duvidas sobre os méritos da guerrilheira. Era de poucas falas, mas, ao volante de um camião, respondia com rapidez e segurança às perguntas que eu formulava sobre a historia das FARC e a organização do acampamento.

Yurleni, a ranchera, projectava a imagem de uma jovem camponesa desinibida, faladora , com uma espontaneidade tocante. Passava o dia na cozinha preparando as refeições dos convidados. Quando apreciávamos um prato de caça ou uma especialidade colombiana reagia tão efusivamente que até comunicava o facto ao seu papagaio palrador, empoleirado num arbusto, ao lado do bidão da água, no terreiro por onde deambulavam galinhas e o quati, mascote da guerrilha. Yurleni tinha um companheiro, John, e dizia ser mais feliz do que algum dia pudera imaginar. Menina, tinha uma obsessão: ser soldado. Mas acabou nas FARC quando percebeu que era mentira o que delas contavam e que a guerrilha era, essa sim, um exército de heróis, como outro não existia .

Em Isabel, a historiadora, descobri uma romântica. Foi a ideologia, absorvida na universidade, que a empurrou para as FARC. Encontrava-se no umbral de uma vida de comodidades, já com um mestrado e trabalhando numa organização internacional que lhe garantia um salário mensal de quase 2000 dólares quando....

Ela hesitava ao chegar aí e eu interrompia, tentando descer às raízes da opção que a fizera mudar de rumo.

- O tempo de reflexão foi breve- respondia -. Eu sentia um nojo crescente pelo tipo de vida que se abria para mim. Não queria ser triturada pelo sistema. O apelo foi irresistível. Ajudada por amigos, vim parar às FARC, que eu admirava sem as conhecer...

Isabel mantinha longas conversas comigo. Os temas ideológicos fascinavam-na e encontrou em mim um interlocutor. Após um ano, sentia-se ainda uma iniciada. Cumpria exemplarmente todas as tarefas, verifiquei que atirava muito bem, mas a insegurança atormentava-a.

A beleza de Isabel chamava a atenção pela suavidade. Tinha uma pele muito branca, uns olhos enormes, luminosos e um corpo onde tudo parecia certo pela forma e a proporção. Do conjunto desprendia-se irrealidade.

Um dia perguntei-lhe porque, sendo tão bela, não tinha companheiro.

Levou tempo a responder:

- Sabes, isso faz-me sofrer. Mas não pelo que possas pensar. Alguns camaradas, já me perguntaram por que os recusei. Pensam que é uma atitude de classe, mas o motivo é outro. Eu faço uma ideia muito grande do amor e ainda não encontrei alguém que me abra ao amor...

Naturalmente Gloria, Eliana, Jenny, Adriana, Yurleni, Isabel eram nomes de guerra. Desconheço-lhes os nomes reais.

Na sede das FARC, em San Vicente del Caguan, conheci outra guerrilheira, a Nora, da qual conservo, nítida, na memória a lembrança de alguém que me apareceu como símbolo das mulheres das FARC.

Ela estava então na legalidade relativa da época e por isso publiquei-lhe o retracto numa reportagem. O companheiro tinha caído em combate pouco antes.

Nora atendia na recepção todos os estrangeiros que chegavam à Zona Desmilitarizada. Apareciam ali muitos jornalistas que pretendiam entrevistas com os dirigentes mais destacados das FARC, incluindo Manuel Marulanda, o legendário Tiro Fijo cuja morte fora anunciada vinte vezes por sucessivos governos. Era difícil a tarefa, mas Nora resolvia os problemas mais delicados. A voz e a doçura da guerrilheira desarmavam o protesto, quando os visitantes não obtinham o que pretendiam. Fundia uma suavidade tocante numa firmeza de combatente veterana.

Fechava-se quando as minhas perguntas incidiam sobre o seu mundo interior. Nunca me falou do companheiro perdido, mas a palavra tristeza subia na minha memória quando a escutava . No dia em que me despedi dei-lhe um par de botas e uma lanterna. Indispensáveis na selva , não teriam mais utilidade para mim.

- Podem ser úteis para algum camarada -- comentei quase envergonhado.

Nora abraçou-me, sem uma palavra, e o seu gracias compañero chegou acompanhado do único sorriso que lhe vi esboçar naqueles dias.

Hoje, quando leio ou escuto calunias sobre as FARC, o meu pensamento viaja para as selvas e montanhas da Colômbia. No turbilhão de imagens que então me envolve não é sem comovida admiração que revejo as guerrilheiras que ali conheci. Aquelas mulheres aparecem-me como símbolo da confiança na transformação revolucionaria da vida.

Professor anarquista é assassinado por policiais em Roraima!!!!!

É com grande tristeza que repasso a notícia do assassinato de um grande amigo e companheiro, vítima da violência policial em virtude de sua militância junto aos professores de
Camarada Chrystian, PRESENTE! Agora e sempre!
"Por mais rosas que os poderosos matem, nunca conseguirão deter a primavera!"
abraços,
Rafael

Não acreditamos que o professor Chrystian Paiva tenha cometido suicídio
Meu nome é Adriana Gomes, sou Professora efetiva do Estado de Roraima, e era companheira do historiador formado pela Universidade de São Paulo (USP), professor, poeta, escritor, musico, compositor e anarquista Chrystian Paiva. Desde fevereiro de 2009, durante os quase dois anos que esteve no Estado de Roraima lutamos juntos no Sindicato dos Professores (SINTERR).
No dia 17 de outubro, sábado, saímos com uma amiga libertária que veio do estado de São Paulo nos visitar, e fomos ao balneário Caçarí que fica um pouco isolado na cidade de Boa Vista, capital do Estado de Roraima. Tínhamos uma arma utilizada para nos defendermos, levamos para o passeio dentro de uma mochila, o estado é isolado e o poder está nas mãos dos latifundiários, as relações são coronelistas, e esses coronéis fazem suas próprias leis, eles são a lei, então usávamos a arma como precaução e auto-defesa. Passamos a noite do dia 17 e quando amanheceu, domingo (18), percebemos que havíamos trancado a chave dentro do carro e começamos a pedir ajuda. Enquanto esperávamos ajuda conversávamos com várias pessoas e o Chrystian estava bem, aproximadamente às 10h me afastei alguns metros do local e deitei embaixo de uma árvore a fim de descansar e dormi.
Aproximadamente às 11h, o Chrystian foi bruscamente abordado por uma guarnição da Polícia Militar, sob o comando do Subtenente Machado, e sem nenhum indício anterior que tivesse intenção de cometer suicídio em um balneário movimentado, em plena luz do dia. A polícia em sua versão disse que o mesmo cometeu suicídio. As testemunhas são controversas, Chrystian era destro e a bala que perfurou a sua cabeça entrou do lado esquerdo, a mão esquerda estava machucada, assim como estava com hematomas e arranhões no rosto. Tudo leva a crer que não teve como se defender, e se tivesse como se defender com uma arma de fogo não atiraria na própria cabeça na frente de policiais militares. Não acreditamos na versão oficial da imprensa e da polícia de que Chrystian tenha cometido suicídio.
O Professor Chrystian era anarquista aguerrido, com quase dois anos residindo em Roraima mobilizou os professores do Estado para lutar contra as más condições da Educação, o coronelismo autoritário implantado pelo Estado nas escolas e a política pelega do Sindicato dos Professores.
Passávamos noites juntos com ele enviando e-mails, criamos o MOTE (http://greveprofessoresrr.blog.terra.com.br/), e como todo bom anarquista era apaixonado pelos seus ideais e ação direta. Colecionava um grande histórico de lutas de repercussão nacional e internacional empreendida no estado onde nasceu, São Paulo, e era punk desde os 12 anos. Ficamos indignados em saber que um companheiro de luta tão importante para o movimento tenha sido vítima de uma ação de policiais truculentos, e queremos vingança.
Vamos lutar o mais que pudermos para responsabilizar os verdadeiros culpados, pedimos a ajuda de todos os amigos e companheiros de luta para divulgação regional, nacional e internacional do ocorrido.
Adriana Gomes (Professora formada na Universidade Federal de Roraima (UFRR), especialista em História Regional)
Quarta-feira, 21 de outubro de 2009, Boa Vista, Roraima, Brasil
Quando morre um anarquista Se quebra uma lança Uma flor seca
Choram os homens íntegros ...
Quando morre um anarquista Algo se apaga O ar desaparece
Se reúnem as estrelas E o acompanham Na última viagem ...
Quando morre um anarquista A liberdade perde força A justiça se afasta A poesia se quebra
Adoece a esperança. ...
Quando morre um anarquista
Todos os párias do mundo
Morrem um pouco
A. Jimenez