segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Época: Suas opiniões a favor do aborto e da eutanásia parecem incoerentes com a defesa dos animais. Há um fio que permeia suas idéias?
Peter Singer: O fio que permeia tudo é o desejo de prevenir qualquer sofrimento evitável.

Época: Como o senhor justifica seu apoio à legalização do aborto? O senhor não crê que o feto sofra?
Peter Singer: Acho que não devemos obrigar uma mulher a continuar uma gravidez que ela não deseja já que não há um ser consciente envolvido. No período da gravidez em que a maioria dos abortos acontecem, o feto não sente nada. Sou um pouco preocupado a respeito de abortos que aconteçam muito tarde na gravidez, depois de 24 meses de gravidez, porque o feto talvez seja capaz de sofrer.

Época: O senhor acha que um feto mais novo que isso sente menos que um peixe?
Peter Singer: Sim, um peixe sente dor e um feto dessa idade, não. Dá para saber isso baseado no desenvolvimento do sistema nervoso.

Época: O senhor é religioso?
Peter Singer: Não.

Época: A idéia de não fazer ao outro o que você não quer que façam a você é uma idéia cristã, não?
Peter Singer: Os cristãos não são os únicos que têm ética. A tradição chinesa, por exemplo, não é uma tradição religiosa e têm muitos questionamentos éticos. O mesmo vale para a tradição budista. Acho que temos a capacidade de nos solidarizar com os outros independente da nossa religiosidade.

Época: Qual a sua posição em relação aos alimentos transgênicos?
Peter Singer: Não sou contra por princípio. Tudo depende do que estamos falando: modificar plantas ou animais. Temos de tratar os dois casos separadamente. Em relação a modificar plantas, o maior problema é o risco de se causar algum dano ambiental. Se conseguirmos prevenir isso, então, não tenho problemas em relação a vegetais transgênicos. Causar ou não um problema ecológico é uma questão ética. Mas não acho que haja algo intrinsecamente errado em mudar os genes. Com os animais, novamente, a questão é impingir sofrimento ou não. Nós não sabemos exatamente o que estamos fazendo e algumas das primeiras pesquisas causaram anormalidades que provocavam sofrimentos.

Época: O senhor conhece as experiências da bioarte? Ouviu falar de Alba, a coelhinha fosforescente do brasileiro Eduardo Kac?
Peter Singer: A princípio, não há nada demais em se fazer um coelho que, no escuro, fica verde e brilha. A questão é que não se sabe se essa mudança genética pode causar algum tipo de distúrbio que traga sofrimento para o animal. Só gostaria de saber se houve cuidados com a saúde do animal, se nenhum outro coelho sofreu antes para se chegar a esse resultado.

Época: Alguns artistas criam tecidos vivos a partir de células humanas e depois os matam em público.
Peter Singer: Não vejo muito sentido, mas não tenho nenhum problema ético em relação a isso porque não há sofrimento envolvido. Algumas pessoas me perguntam se eu aprovaria que se comesse carne caso essa carne fosse um tecido criado em laboratório. Eu não veria nenhum problema. Se alguém pegasse apenas algumas células e produzisse carne, se isso fosse economicamente viável, eu ficaria feliz em comê-la. Seria muito melhor do que comer carne de animais que sofrem.

Época: O senhor é a favor da clonagem?
Peter Singer: Não vejo nada de errado em clonar embriões para produzir células-tronco, por exemplo. Claro que haveria mais problemas se permitíssemos que clones humanos crescessem. Poderíamos ter imprevistos com anormalidades, problemas psicológicos. Quanto aos animais clonados, alguns sofrem, outros não. Mas não acho que a questão seja muito relevante. O número de animais que sofre com essas experiências é muito pequeno em comparação ao que acontece todos os dias nas fazendas de gado. Fazemos escândalo demais em torno da clonagem e nenhum pio em torno de fatos que provocam muito mais sofrimento.

Época: A questão dos animais serem usados como cobaias de laboratório também o preocupa?
Peter Singer: Eu não seria necessariamente contra se usar animais para pesquisa de remédios e tratamentos, caso essa fosse a única alternativa para salvar muitas vidas humanas. Mas eu teria de ter certeza de que essa é a única alternativa. E, muito freqüentemente, não é. Às vezes, é simplesmente a forma com que os cientistas se acostumaram a trabalhar. Eles não buscam alternativas.

Época: Então, se realmente necessário, temos o direito de fazer outro ser sofrer?
Peter Singer: Algumas vezes, temos de pesar um sofrimento contra outro sofrimento. Estudos que, embora causem sofrimento para um número pequeno de animais, previnam o sofrimento de milhões de seres humanos são justificáveis.

Época: O senhor não está sendo preconceituoso? Faria isso com seres humanos?
Peter Singer: Talvez fizesse... se fosse a única coisa a fazer.

Época: Manter dez ou vinte pessoas sofrendo em um laboratório, além de ilegal, não é considerado ético, nem que seja para salvar milhões de vidas.
Peter Singer: Talvez eu não compartilhe desse pensamento. Se essa realmente fosse a única forma de salvar 10 milhões de pessoas, talvez eu fizesse isso. Esse, no entanto, é um bom exemplo de como, na realidade, há outras formas de se fazer as coisas. Se alguém diz que precisa fazer isso, logo outro aparece e diz “Vamos fazer a experiência com pessoas que já estão morrendo de alguma doença ou algo assim”. Seria melhor fazer experiências em humanos com morte cerebral, por exemplo, do que em animais saudáveis.

Época: O senhor comeria carne humana se fosse necessário para salvar sua vida como aconteceu com os estudantes argentinos de medicina que caíram nos Andes na década de 70?
Peter Singer: Comeria. Se eles já estão mortos, não faz diferença. Se fosse a única comida que eu tivesse, comeria. Claro que provavelmente teria alguma repugnância instintiva. Mas teria de superar isso.

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