quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

A CAVERNA!


A caverna (...) é o mundo sensível onde vivemos. O fogo que
projeta as sombras na parede é um reflexo da luz verdadeira (do
Bem e das ideias) sobre o mundo sensível. Somos os prisioneiros. As
sombras são as coisas sensíveis, que tomamos pelas verdadeiras, e as
imagens ou sombras dessas sombras, criadas por artefatos fabricadores
de ilusões. Os grilhões são nossos preconceitos, nossa confiança
em nossos sentidos, nossas paixões e opiniões. O instrumento que
quebra os grilhões e permite a escalada do muro é a dialética. O
prisioneiro curioso que escapa é o filósofo. A luz que ele vê é a luz
plena do ser, isto é, o Bem, que ilumina o mundo inteligível como o
Sol ilumina o mundo sensível. O retorno à caverna para convidar os
outros a sair dela é o diálogo filosófico, e as maneiras desajeitadas
e insólitas do filósofo são compreensíveis, pois quem contemplou
a unidade da verdade já não sabe lidar habilmente com a multiplicidade
das opiniões nem mover-se com engenho no interior das
aparências e ilusões. Os anos despendidos na criação do instrumento
para sair da caverna são o esforço da alma para libertar-se. Conhecer
é, pois, um ato de libertação e de iluminação. A paideia filosófica é
uma conversão da alma voltando-se do sensível para o inteligível.
Essa educação não ensina coisas nem nos dá a visão, mas ensina
a ver, orienta o olhar, pois a alma, por sua natureza, possui em si
mesma a capacidade para ver.


(M. Chauí, Introdução à história da filosofia. São Paulo:
Companhia das Letras, 2002)

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