Fundador do MPL fala sobre o movimento, as jornadas de junho e o Tarifa Zero
Marcelo Pomar, que participou da fundação do Passe Livre, hoje é um dos principais quadros teóricos do movimento
22/07/2013
do Coletivo Maria Tonha
Marcelo Pomar - Foto: Reprodução |
Aos
19 minutos e 23 segundos de "Impasse", documentário sobre as lutas
contra o aumento da tarifa em Florianópolis, há uma cena que tem lugar
no Fórum Social Mundial de 2005, ocorrido em Porto Alegre. Nela, Marcelo
Pomar aparece segurando um microfone e lendo uma carta de princípios de
uma organização “apartidária, mas não anti-partidária”. Era a plenária
de fundação do Movimento Passe Livre, o MPL.
Oito
anos mais tarde, o MPL vive seu momento de maior fama. Isso graças ao
seu papel indutor nos protestos contra o aumento da tarifa de transporte
público em São Paulo, que posteriormente acabaram se desdobrando em
protestos massivos por todo o Brasil.
Já Marcelo
Pomar, hoje com 33 anos, graduado em História pela Udesc e professor de
xadrez, não está mais no dia a dia do MPL por conta do atual trabalho – é
assessor de uma parlamentar na Assembleia Legislativa de Santa
Catariana – mas segue sendo um dos principais quadros teóricos do
movimento. Já falou no TEDxFloripa, em 2011, em apresentação intitulada
“Por uma vida sem catracas”. No último dia 10 de julho, discursou no
plenário da Câmara, em Brasília, em que comentou os recentes protestos
que acometeram o país, além também de ter discorrido sobre o projeto
Tarifa Zero.
O coletivo Maria Tonha realizou uma
longa entrevista com Marcelo para falar sobre a fundação do MPL, as
Jornadas de Junho e o Tarifa Zero. O texto da entrevista foi dividido em
duas partes. A primeira você acompanha abaixo.
Passe Livre como reivindicação histórica
"Na
realidade, temos que voltar um pouco no tempo para entender como se
chegou à fundação do MPL. O passe livre é uma reivindicação histórica do
movimento estudantil. Desde pelo menos o final dos anos 80 no Rio de
Janeiro há movimentos desse tipo, com inclusive uma movimentação
histórica quando o Brizola já era governador do estado. Os estudantes
conseguiram garantir esse direito no Rio, e até hoje esse direito
existe, de forma meio capenga, por conta de liminares de empresas de
ônibus – vira e mexe esse direito é contestado. Então, depois da
abertura política de 1985, o passe livre passou a fazer parte do ideário
do conjunto de reivindicações históricas do movimento estudantil
brasileiro, em especial o secundarista. Nós não inventamos essa
história."
A campanha pelo Passe Livre em Florianópolis
"O
que ocorre é que em 2000 nós tínhamos um grupo aqui em Florianópolis
relativamente organizado que fazia parte de uma organização de juventude
ligada ao PT chamada Juventude Revolução. Nós resolvemos em um grupo
relativamente pequeno à época tocar uma campanha pelo passe livre aqui
na cidade. Essa campanha acabou tomando corpo. À época nós tínhamos
muito tempo livre, já que o movimento estudantil tem essa vantagem da a
gente poder fazer bastante atividade. Nós mapeamos as escolas da cidade,
fizemos um bom trabalho de base levando esse debate do passe livre, e
realizamos uma série de manifestações de pequeno e médio porte entre os
anos 2000 e 2004 que eu considero que criou um conjunto de condições
subjetivas pra que em 2004 nós tivéssemos uma grande movimentação em
Florianópolis, que ficou conhecida como a Revolta da Catraca. Essa
revolta abrange os anos de 2004 e 2005 em que ocorreram dois movimentos
grandiosos, movimentos de massa em Florianópolis, com cerca de 15 a 20
mil pessoas, o que para uma cidade de 400 mil habitantes é um negócio
bastante significativo. Foram movimentos que por dois anos seguidos
barraram o aumento das tarifas, em 2004 e 2005.
"Em
2004 nós já somos um grupo completamente distinto do grupo que começou
essas movimentações em 2000. Isso porque em 2002 nós rompemos com a
Juventude Revolução. Na verdade nós somos expulsos dela porque a gente
começou a desenvolver uma tese de que a juventude deveria ser
independente, quer dizer, deveria fazer suas próprias experiências e não
deveria estar tutelada por uma organização adulta, fosse ela vinculada a
um partido ou não. Em 2004 nós já éramos um grupo amplo, de frente
única, que reunia várias organizações partidárias e muitos jovens
independentes. E foram basicamente esses jovens independentes que
acabaram tocando a coisa a partir de 2002 junto com esse grupo que foi
expulso da Juventude Revolução.
"Não dá pra negar
a importância da Juventude Revolução na gênese desse processo. Mas o
que se tinha já em 2002, 2003, era um negócio muito mais amplo, que não
tinha mais relação propriamente com a Juventude Revolução, e que era a
campanha pelo passe livre, que reunia diversos jovens de grêmios, muitos
deles sem nenhum tipo de vinculação a organização, a instituição ou
partido político. Já era um processo genuíno, um processo diferente e
singular."
Revolta do Buzú
"Tudo
isso consistiu em um conjunto de fatores subjetivos, quer dizer, ajudou
a criar condições para que a gente pudesse ter um caldo de mobilização
em Florianópolis para lutar por esse tema do transporte coletivo,
inicialmente pelo passe livre, depois pela redução das tarifas. Também
contribuiu para esse caldo subjetivo um grande movimento que aconteceu
em agosto de 2003, em Salvador, que ficou conhecido como a Revolta do
Buzú. Na época, circulava pelo Brasil um filme do cineasta argentino
Carlos Prozac chamado Revolta do Buzú. Esse filme a gente passou nas
escolas e nos serviu de grande estímulo. Ele demonstrava inclusive um
perfil novo de juventude, mais desligado das entidades estudantis
tradicionais, mas que estava disposto ao combate e em organização para
luta por reivindicações. Nós nos identificamos muito com aquele
movimento de Salvador. Então isso é um pouco do cenário desse caldo que
nós tínhamos até 2004."
As questões objetivas
"Havia
também um conjunto de questões que considero objetivas e que estão
ligadas à questão material do problema do transporte no Brasil. Uma
questão estrutural mesmo. Nós tivemos de 1994 até 2004 um período de 10
anos de relativo controle inflacionário, de estabilidade da moeda, por
conta do Plano Real. E, no entanto, em Florianópolis, as tarifas de
ônibus aumentaram em um valor de quase 250% nesse período, ao passo que
você não tem nenhuma categoria de trabalhador que recebeu qualquer tipo
de aumento salarial similar a isso. Em Florianópolis, em especial, esses
aumentos foram muito significativos. Outro agravante foi que, em 2003,
criaram um sistema integrado de transportes que mudou radicalmente a
forma pela qual as pessoas se deslocavam na cidade e isso causou muita
revolta, muita indignação. No final de maio de 2004, a prefeita de
Florianópolis, que à época era a Ângela Amim, do PP, decidiu dar um
aumento no preço da passagem de 28%, um reajuste bastante alto. Então
aquilo criou todas as condições para que nós tivéssemos uma onda muito
forte de manifestação."
Criar um movimento nacional
"Em
2004, em Florianópolis, explode essa manifestação grande que tem uma
vitória expressiva que foi a redução dos preços das tarifas. E a gente
começa a pensar o seguinte: 'Olha, como é que a gente se conecta com
outros jovens do Brasil que estão nessa luta? Que veem no que a gente
fez aqui uma referência, e que tem mais ou menos proximidade política
com o que nós estamos pensando?'. Era uma forma de pensar em organização
propriamente. Até porque como nós não tínhamos mais esse vínculo com
organizações estabelecidas, como a Juventude Revolução ou a Juventude do
PT, nós achávamos que era necessário ter uma organização própria que
fizesse um movimento social de característica urbana e que discutisse a
questão do transporte coletivo, em especial a do passe livre. Daí surgiu
a ideia de fundar o MPL. Uma organização que juntasse essas várias
lutas do Brasil em torno do transporte, sobretudo em relação ao passe
livre. Nós fizemos em novembro de 2004 um primeiro encontro. Esse
encontro foi em Florianópolis e foi bastante bizarro. Deu uns grupos
maoístas, deu tudo quanto é tipo de grupo. Foi num camping no norte da
ilha, nos Ingleses. Foi uma experiência, e depois disso nós decidimos
fazer um encontro nacional em Porto Alegre, durante o Fórum Social
Mundial, em 2005. Fomos incentivados principalmente por Florianópolis
por conta da experiência que nós tivemos, e por alguns contatos que nós
tínhamos – e aí entra em particular uma outra organização que nos
ajudou, sobretudo do ponto de vista de comunicação nacional, que foi o
CMI (Centro de Mídia Independente). E por isso, nesse processo
embrionário do MPL, o CMI deu uma ajuda principalmente no que diz
respeito à comunicação entre esses grupos. Assim, em janeiro de 2005, é
fundado oficialmente o Movimento Passe Livre nacional.
"O
MPL nasce acho que em 11 capitais, o que para um grupo como o nosso era
um grande feito, porque na realidade nós não tínhamos uma grande
estrutura, não tínhamos nenhum partido por trás, nenhuma organização de
peso, o próprio CMI não era uma organização de peso, embora tivesse
relações internacionais. Então ele já nasce de certa forma forte. Em
2005 a gente volta a ter um movimento de luta, de jornadas importantes,
barra de novo o aumento da tarifa em Florianópolis. E a gente começa a
ver jornadas de luta em vários lugares do Brasil, que, de alguma forma, o
MPL também incentivou."
Do Passe Livre Estudantil ao Tarifa Zero
"Desde
fevereiro de 2011, eu contribuo de maneira mais distante com o MPL.
Como fui prestar assessoria política para um mandato da Assembleia
Legislativa de Santa Catarina, tomei a decisão de não ter uma relação
orgânica, cotidiana com o movimento, porque eu achava que isso de certa
forma também não seria bom, não seria produtivo. Mas eu continuo
contribuindo, sobretudo no que diz respeito à elaboração teórica e às
questões políticas do movimento. Porque o movimento tem um momento de
virada muito importante, há um período de refluxo nos movimentos de rua
no MPL, sobretudo em 2008, 2009, que é combinado, e isso não aconteceu
de maneira pensada, mas acabou sendo assim, com um período de
aprofundamento da temática. O MPL para de discutir passe livre dos
estudantes, ou a reivindicação pequena, menor, e começa a entender o
contexto do direito à cidade. Quer dizer, a gente tem uma transição para
o Tarifa Zero. Porque o passe livre é reivindicação historicamente
ligada ao movimento estudantil. E o Tarifa Zero passa a ser o
entendimento de que a cidade, por concentrar as grandes conquistas
tecnológicas, científicas, culturais da humanidade, precisa ser então
democratizada. E a democratização ao acesso à cidade passa
necessariamente pela garantia do acesso e da chegada aos equipamentos
públicos e privados que na cidade estão espalhados. Então nesse período
nós ampliamos a concepção. Foi ali que tive a oportunidade de conhecer o
Lúcio Gregori, que foi secretário de transportes da gestão da Erundina
em São Paulo, e ele nos ajuda muito."
Fonte: Brasil de Fato.
Nenhum comentário:
Postar um comentário